Depois de uma longa pausa, retomamos nosso blog com uma lista super especial dos mais relevantes westerns americanos já produzidos. Esta retomada marca também o início da colaboração de José Eugênio Guimarães (autor de todos os textos desta postagem) e a promessa de participação de outros cinéfilos.
“O western é o cinema americano por excelência”, conforme André Bazin. Os dizeres nomeiam célebre artigo que dedicou ao gênero, nos anos 50. Foram retomados pouco depois, por Jean Louis Riepeyrout, para título do livro lançado no Brasil em 1963, pela Itatiaia de Belo Horizonte. A emblemática frase também serve de referência à organização desta antologia. Os westerns aqui tratados são genuinamente estadunidenses. Ficaram de fora as contrafrações europeias, inclusive as hipnóticas releituras do exemplar Sérgio Leone. Merecerão — quem sabe? — seleção exclusiva.
A antologia reúne 20 títulos. Chegou-se a este número após exaustiva e dolorosa triagem, que considerou os mais representativos exemplares do western, produzidos de 1903 a 1992. Está sujeita a reparos, como qualquer similar. Certamente, algumas críticas e questionamentos serão acirradas. Mas os responsáveis pela eleição dos filmes estão preparados para tanto. Sabe-se que cada fã incondicional de westerns tem a sua relação própria, particular, de títulos preferidos. Pois é! Com os organizadores da triagem acontece o mesmo.
Oficialmente, segundo variados compêndios da história do cinema, o western nasceu em 1903, no leste, em áreas ainda virgens e rurais de Nova Jersey, arredores de Nova York. Edwin S. Potter rodou O grande roubo do trem (The great train robbery). Em 11 minutos apresentou as principais convenções do gênero. Daí em diante outros congêneres surgiram ao longo das duas primeiras décadas do século 20, por diretores como David Wark Griffith, Allan Dwan, Thomas Harper Ince e, entre outros, Francis Ford, irmão mais velho do realizador cujo nome passaria à história praticamente como sinônimo de westerns: John Martin Feeney ou Sean Aloysius O’Ferna, mais simplesmente Jack Ford ou John Ford. Ele estreou na direção em 1917, com The tornado, não para menos um exemplar do gênero americano por excelência. Realizaria vários outros a partir daí e durante boa parte da década seguinte. Infelizmente, quase todos os filmes desse período de formação estão perdidos, consumidos pelos habituais incêndios que assolavam os depósitos dos estúdios.
Em 1923, James Cruze começa a firmar o formato que terá o gênero ao longo dos anos subsequentes: Os bandeirantes (The covered wagon) é um épico de 98 minutos sobre a ocupação da fronteira avançada ocidental dos Estados Unidos pelos desbravadores e pioneiros transportados nas carroças cobertas. No ano seguinte, John Ford realiza O cavalo de ferro (The iron horse), reconstituição da epopeia de construção da linha ferroviária que uniu o país de leste a oeste. Ambos os títulos praticamente fundam a primeira grande fase do western, denominada de Épica. Seus filmes mais representativos são perpassados pelo otimismo triunfante com o coroamento do esforço de desbravamento e ocupação do território. Vencia-se a natureza na forma de obstáculos praticamente intransponíveis: rios caudalosos, desfiladeiros, montes escarpados, precipícios e, logicamente, os indígenas, primeiros ocupantes da terra, em oposição ao avanço do invasor. Na fase Épica os nativos estavam longe de equiparação aos seres humanos. Eram arrolados aos obstáculos naturais que deveriam ser vencidos, custasse o que custasse. Em termos mais contemporâneos, representam a fase Épica os desiguais A conquista do Oeste (How the West was won, 1962), empreendimento coletivo a cargo de Henry Hathaway, George Marshall e John Ford, e Desbravando o Oeste (The way west, 1967), de Andrew V. McLaglen. A seleção lista A grande jornada (The big trail, 1930), de Raoul Walsh; No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), de John Ford; e Rio Vermelho (Red River, 1948), de Howard Hawks.
Em 1939, após mais de 10 anos, John Ford retorna ao western. No tempo das diligências revela-se paradigmático e imediatamente é alçado à estatura de clássico. Os personagens contrariam representações de exemplares anteriores, quase sempre chapados e unidimensionais. Possuem história, personalidade e motivação. Acima de tudo, são idiossincráticos. Não para menos No tempo das diligências lança o western psicológico, variação que terá auge nos anos 50 em realizações de Henry King — O matador (The gunfighter, 1950); Anthony Mann — O preço de um homem (The naked spur, 1953) e O homem do Oeste (Man of the West, 1958); Delmer Daves — Galante e sanguinário (3:10 to Yuma, 1957) e Ao despertar da paixão (Jubal, 1956); e John Ford — Rastros de ódio (The searchers, 1956).
Ao fim da Segunda Guerra Mundial inicia-se a segunda grande fase do western: a Crítica. Amadurecidos pelos custos humanos do conflito, os cineastas —principalmente os deslocados para o front — retornam às atividades com a percepção nitidamente alterada. De modo geral, encerra-se a visão otimista com a conquista do Oeste. A história até então contada pelo cinema passa por reavaliações. O índio é, pouco a pouco, resgatado como ser humano. Neste ponto, Sangue de heróis (Fort Apache, 1948) — primeiro título da Trilogia da Cavalaria de John Ford, completada por Legião invencível (She wore a yellow ribbon, 1949) e Rio Bravo (Rio Grande, 1950) — é pioneiro ao exibir o chefe apache Cochise (Miguel Inclán) na exposição ao intransigente comandante militar, Tenente-Coronel Owen Thursday (Henry Fonda), do significado da conquista para os nativos. De outro lado, o militarismo de Owen Thursday é duramente questionado. O personagem serve de capa ao General Custer, cujo mito de herói é, pela primeira vez, revisto. No rastro de Sangue de heróis vieram outros filmes favoráveis aos índios, principalmente Flechas de fogo (Broken arrow, 1950), de Delmer Daves; Assim são os fortes (Across the wide Missouri, 1951), de William Wellman; O último bravo (Apache, 1954), de Robert Aldrich; Herança sagrada (Taza, son of Cochise, 1954) e Crepúsculo de uma raça (Cheyenne autumn, 1964), de John Ford; O Pequeno Grande Homem (Little Big Man, 1970), de Arthur Penn; Quando é preciso ser homem (Soldier blue, 1970), de Ralph Nelson; e mais recentemente, influenciado pela onda do politicamente correto, Dança com lobos (Dances with Wolves, 1990), de Kevin Kostner.
A fase Crítica também presencia a crescente matização da figura do cowboy. O herói, antes impoluto, justo e bom, tinge-se de sombra, até de obscuridade. Humaniza-se. O maniqueísmo — sempre defenestrado em Jonh Ford — cede lugar a personagens mais ambíguos, nem sempre merecedores da mais absoluta confiança. Assim, o caráter e as intenções de James Dawson (Gregory Peck) — Céu amarelo (Yellow sky, 1948), de William Wellman; Will Lockarth (James Stewart) — Um certo capitão Lockhart (The man from Laramie, 1955), de Anthony Mann; Ethan Edwards (John Wayne) — Rastros de ódio, de John Ford; Morgan Hickman (Henry Fonda) — O homem dos olhos frios (The tin star, 1957), de Anthony Mann; Jim Douglas (Gregory Peck) — Estigma da crueldade (The bravados, 1958), de Henry King; Clay Blaisedell (Henry Fonda) — Minha vontade é a lei (Warlock, 1959), de Edward Dmytryk; Brendan O’Malley (Kirk Douglas) — O último por-do-sol (The last sunset, 1961), de Robert Aldrich — para ficar apenas com esses exemplos — não podem ser definidos como resultados diametralmente diferenciados de equações de segundo grau, cujas traduções cinematográficas apontavam para o Bem ou o Mal.
O desenvolvimento da fase Crítica legou ao gênero e à década de 50 westerns memoráveis e em quantidade. O período corresponde aos anos de ouro da horse opera. Portanto, nada parecia antecipar que o velho Oeste, o cowboy e toda a sua mitologia estavam com os dias contados. A fase Crítica chegaria ao paroxismo nos anos 60, logo em seu início, com os westerns crepusculares: filmes marcados pelo tom nostálgico, pontuados como baladas, por vezes trágicos, foram realizados e prenunciavam o encerramento do gênero com seu arsenal simbólico. Em 1960, John Sturges realiza Sete homens e um destino (The magnificent seven, 1960) — extraído de Os sete samurais (Shichinin no samurai, 1954), de Akira Kurosawa —, no qual um grupo de pistoleiros, marginalizados pelo advento dos tempos marcados pelo avanço da lei, do direito e da civilização, ficam ao deus-dará, sem alternativas imediatas de sobrevivência. De 1962 é O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance, de John Ford, no qual um trágico Tom Doniphon (John Wayne) assiste, inconscientemente, ao processo que gera a perda de sentido de seu mundo e de sua existência para os valores egressos do Leste. Nesse mesmo ano Sam Peckimpah realiza o terno e compassado Pistoleiros do entardecer (Ride the high country), sobre a última missão de dois homens da lei velhos e esquecidos no Oeste que substitui o cavalo pelo automóvel. No mesmo diapasão esse diretor assina, em 197o, A morte não manda recado (The ballad of Cable Hogue, 1970), no qual o cowboy vivido por Jason Robards falece numa estação de pouso para diligências — predecessora dos atuais postos de gasolina — diante da visão do primeiro automóvel a adentrar em suas bandas. Um ano antes, cheio de som e fúria, Peckinpah encenou tragicamente o fechamento da fronteira como terra da promissão, pondo à margem, nos primeiros anos do século 20, o fracassado e excluído grupo de Pike Bishop (William Holden) em Meu ódio será sua herança (The wild bunch, 1969). William A. Fraker, em Um homem difícil de matar (Monte Walsh, 1970), também celebra os cowboys que ficaram à margem num quixotesco espírito de resistência estampado no personagem interpretado por Lee Marvin, tão semelhante ao errante espírito que assombra o cenário onde o cowboy outrora reinou. Em 1976, sofrendo de câncer em estado avançado, John Wayne — provavelmente a representação quintessencial do western — encontra seu último momento na tela como o nobre John Bernard Books em O último pistoleiro (The shootist), de Don Siegel, devastado pela mesma enfermidade que mataria o ator em 1979 e lançado no cenário outonal de um Oeste pouco assemelhado à região nos tempos do individualismo sem peias e da selvageria.
Enquanto o western entrava em seu crepúsculo, algumas produções tentavam resistir apelando à comédia e paródia. Mas a onda durou pouco. Mesmo o western europeu —que viveu o esplendor nos 60 e 70 —, com suas leituras estilizadas e espírito de fancaria, também chegaria ao fim, em 1987, com Django – A volta do vingador (Django 2 – Il gande ritorno), de Nello Rossati, 36 anos após o surgimento do primeiro exemplar, Eu sou o capataz (Il sono il capataz), de Giorgio Simonelli.
Em 1992, Clint Eastwood, com o antológico Os imperdoáveis (Unforgiven), injetou um pouco de esperança ao gênero. Mas o otimismo de um provável renascimento do western não perdurou. Da mesma maneira como William Muny (Eastwood) desaparece encoberto pela chuva e pela noite nesse título, parece que terminou o lento crepúsculo do western. A cortina do anoitecer desceu sobre a mitologia. Apesar de tudo, Quentin Tarantino desponta como promessa. Aos amantes órfãos do gênero — eles existem: estão por aí, dispersos nas antigas e novas gerações — resta sempre o alento de algum dia retornar uma das mitologias mais duradouras do cinema.
O GRANDE ROUBO DO TREM
The great train robbery, EUA, 1903, 11`
de Edwin S. Porter
com Gilbert M. ‘Broncho Billy’ Anderson, A.C. Abadie, George Barnes
Certamente é o primeiro western. Originalmente, possui apenas 11 minutos, mas as principais convenções do gênero que André Bazin chamou de “americano por excelência” já se fazem notar. Foi totalmente filmado com câmera fixa e à meia distância dos personagens. A ação é distribuída entre o assalto, a perseguição a cavalo, a luta a socos e o tiroteio. O momento final, com o ator Georges Barnes em surpreendente primeiro plano, atirando em direção ao público, é antológico e causou frisson nas primeiras exibições.
O CAVALO DE FERRO
The iron horse, EUA, 1924, 150`
de John Ford
com George O`Brien, Madge Bellmay, Charles Edward Bull
Incluído entre os filmes de preservação obrigatória do estadunidense National Film Registry, é o primeiro olhar épico lançado por John Ford ao Oeste do país. É também a realização que praticamente o catapultou para a fama após a estreia na direção, sete anos antes. Filmado em locações, com a equipe se deslocando constantemente, O cavalo de ferro exala autenticidade na reconstituição do processo de implantação da linha férrea coast to coast pelas empresas Transcontinental e Union Pacific. Cecil B. DeMille criaria a sua versão em 1939 sob o título Aliança de aço (Union Pacific).
A GRANDE JORNADA
The big trail, EUA, 1930, 158`
de Raoul Walsh
com John Wayne, Marguerite Churchill, El Brendel
O próprio Raoul Walsh queria estrelar este épico sobre a jornada de pioneiros saídos de Saint Louis rumo ao Oregon nas famosas carroças cobertas. Porém, a perda da visão direita impôs uma mudança de planos. Resolveu, então, dar a primeira oportunidade ao jovem que atuava como contrarregra em realizações de John Ford. Aliás, foi este quem indicou Marion Robert Morrison, cujo nome foi alterado, por recomendação dos produtores e diretor, para John Wayne. Infelizmente, a realização fracassou. O pioneiro processo de filmagem adaptada à tela larga, o Fox Grandeur, não encontrou salas adaptadas. Quase todas já haviam despendido recursos consideráveis três anos antes com os ajustes necessários à chegada do som. A grande jornada recupera o espírito de épicos como Os bandeirantes, de James Cruze, e O cavalo de Ferro, de John Ford. Nos anos 90, passou por restauração e recuperou o esplendor do formato original.
NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS
Stagecoach, EUA, 1939, 96`
de John Ford
com John Wayne, Claire Trevor, Andy Devine
Oscar de Ator Coadjuvante (Thomas Mitchell) e Trilha Sonora
O western estava morto e enterrado para os grandes estúdios quando John Ford apresentou o projeto de No tempo das diligências. Esnobado, uniu-se ao produtor Walter Wanger em regime de independência. Ele próprio nada mais realizara no gênero desde 3 homens maus (3 bad men, 1926). Ao rufar dos tambores (Drums along the Mohawk), filmado pouco antes de Stagecoach, não contém propriamente as convenções típicas do “cinema americano por excelência”. Entretanto, é com No tempo das diligências que o western renasce em condições de nobreza, trajando o figurino que utiliza até hoje. A prostituta, o médico beberrão, o vendedor de whisky, o estelionatário, o jogador sulista, a moralista esposa do militar, o cocheiro e o xerife representam um microcosmo da sociedade ocidental com todas as suas idiossincrasias. A viagem acontece sob risco de ataque dos apaches. Lançam-se, ao longo do percurso, as bases do western psicológico. Pela primeira vez, John Ford filma emoldurado pela emblemática paisagem do Monument Valley. John Wayne é, enfim, alçado ao estrelato depois de nove anos de ostracismo nos estúdios menores aos quais o western foi praticamente relegado durante a década de 30, com honrosas exceções. O grito do cocheiro Buck (Andy Devine) comunicando o começo da jornada — “All aboard for Dry Fork, Apache Wells, Lee’s Ferry, and Lordsburg!” — é uma delícia e praticamente antecipa o advento de um clássico.
PAIXÃO DOS FORTES
My darling Clementine, EUA, 1946, 97`
de John Ford
com Henry Fonda, Linda Darnell, Victor Mature
Essencialmente, é refilmagem de A lei da fronteira (Frontier Marshal, 1939), de Allan Dwan. Porém, o andamento e o olhar são diferentes. Paixão dos fortes é o primeiro filme de John Ford após a Segunda Guerra Mundial, conflito no qual se engajou como correspondente. Profundamente marcado pela experiência bélica, retoma a carreira mirando os paraísos perdidos e as confraternizações de amigos e companheiros aproximados pelas adversidades. Paixão dos fortes é um adágio, uma das melhores idealizações do Oeste e da paz. O Wyatt Earp interpretado pelo inspirado e cool Henry Fonda assemelha-se ao gentil cavaleiro das mais nobres canções de gesta, inserido no cenário do velho Oeste dominado por violência e arbítrio. Tentará civilizá-lo pelo diálogo e calor de sua personalidade. Cansado de guerra, almeja a concórdia e um lugar para repousar e viver, simplesmente. Quer ser aceito e reconhecido por uma comunidade de pertencimento, que valoriza a tranquilidade dos domingos, os passeios e os bailados que irmanam os membros de um grupo. Ninguém melhor que John Ford para filmar um baile e extrair dele todos os significados sobre a integração e comunhão dos homens.
SANGUE DE HERÓIS
Fort Apache, EUA, 1948, 125`
de John Ford
com John Wayne, Henry Fonda, Shirley Temple
A partir da década de 40, os westerns passam pelo crivo da desmistificação. A fronteira apresentada à conquista a qualquer preço começa a perder o apelo entusiasmado, ao menos nas realizações dos grandes diretores. Cinco anos antes do filme de Ford, William Wellman tingia o cenário com tons lúgubres, mostrando-o como espaço de linchamentos em Consciências mortas (The Ox-Bow incident). Sangue de heróis é pioneiro na investida, ainda velada, contra o mito de herói do General Custer, disfarçado de Tenente-Coronel Owen Thursday (Henry Fonda). Pela primeira vez no cinema, o índio articula uma pauta de reivindicações e denuncia os custos humanos e territoriais da conquista. O filme antecipa em 14 anos a célebre sentença-súmula do cinema fordiano: “Quando a realidade se transforma em lenda, imprima a lenda”, pronunciada em O homem que matou o facínora. É o primeiro filme da “Trilogia da Cavalaria”, completada por Ford com Legião invencível e Rio Bravo. Tais realizações, ao contrário das conclusões apressadas, não exaltam o militarismo. Interessa ao diretor a observação da instituição militar como celeiro de homens comuns, desprovidos de maiores aspirações, mas fraternos.
RIO VERMELHO
Red River, EUA, 1948, 133`
de Howard Hawks
com John Wayne, Montgomery Clift, Joanne Dru
Os personagens mais elaborados de John Wayne são: Capitão Nathan Cutting Brittles, em Legião invencível, de John Ford; Sargento John M. Stryker, em Iwo Jima — O portal da glória (Sands of Iwo Jima, 1949), de Allan Dwan; Ethan Edwards, em Rastros de ódio, de John Ford; Rooster Cogburn em Bravura indômita (True gritt, 1969), de Henry Hathaway; John Bernard Books, em O último pistoleiro; e Thomas Dunson, em Rio Vermelho. O filme é a saga de um obstinado, um homem que é pura convicção. Nada resiste entre ele e suas intenções. “Mata e reza”, segundo perfeita definição de Simm Reeves (Hank Worden). Mas Rio Vermelho também narra uma das maiores epopeias do cinema, a condução de uma boiada por um percurso praticamente desconhecido, do Texas ao Kansas, e daí a mercados desabastecidos do Missouri. Desbrava-se, na ocasião, a mítica Trilha Chisholm. Junta-se à direção afinadíssima de Howard Hawks o inspirado comentário musical de Dimitri Tiomkin e a maravilhosa fotografia em preto e branco de Russell Harlan. Sem esquecer a rara oportunidade de testemunhar o embate de interpretações de Montgomery Clift — formado nos rigores do Actor’s Studio — com o natural e instintivo John Wayne. O filme também é valorizado por um subtexto homossexual, decorrente da apresentação dos personagens de Montgomery Clift e John Ireland. Como se fossem dois adolescentes descobrindo suas possibilidades, um experimenta a arma do outro e medem forças na disputa a tiros.
FLECHAS DE FOGO
Broken arrow, EUA, 1950, 93`
de Delmer Daves
com James Stewart, Jeff Chandler, Debra Paget
Os anos 50 são pródigos para o western. Os processos de desmistificação avançam em profundidade. A persona do pistoleiro adquire contornos frágeis, marcados pela tragédia. Assim é com Jimmy Ringo (Gregory Peck) em O matador, de Henry King. Mas a novidade maior vem do humanista Delmer Daves, realizador de magníficas peças ambientadas no Oeste na segunda metade da década: Ao despertar da paixão, A última carroça (The last wagon, 1956), Galante e sanguinário, Como nasce um bravo (Cowboy, 1958) e A árvore dos enforcados (The hanging tree, 1959). Discípulo de John Ford, praticamente prolonga as pegadas de Sangue de heróis e oferece, logo no início do período, sensível contribuição à humanização do índio. Tom Jeffords (James Stewart) é agente do correio a cavalo e emissário da boa vontade. Na contracorrente de brancos incrédulos, dá partida a conversações com os apaches de Cochise (Jeff Chandler). Conhece a tribo por dentro, processo no qual a direção sabiamente evitou as armadilhas do exotismo e aproximou Jeffords —com algum exagero na comparação — à figura do antropólogo relativizador. O personagem, além do mais, contrai núpcias com Sonseeahray (Debra Paget), irmã do chefe.
MATAR OU MORRER
High noon, EUA, 1952, 85`
de Fred Zinnemann
com Gary Cooper, Grace Kelly, Thomas Mitchell
Oscar de Ator, Montagem, Trilha Sonora e Canção
Ao compasso da composição de Dimitri Tiomkin, Do not forsake me, oh my darling — também conhecida como A balada de High Noon —acompanha-se a solidão e a fragilidade do marshall Will Kane (Gary Cooper) no cumprimento do ofício. Também há o som onipresente do relógio, antecipando o clímax, ao meio dia, e lembrando que o tempo da narrativa coincide com a duração real da história, de 85 minutos. Will Kane contrai núpcias e parte em lua de mel. Mas retorna à cidade chamado pelo senso do dever: enfrentar o facínora Frank Miller (Ian MacDonald) — que chegará no trem do meio dia — e seus cúmplices. Procura inutilmente ajuda entre os respeitáveis cidadãos. Porém, está sozinho frente ao perigo, como adianta o título em espanhol, Solo ante el peligro. O roteiro do blacklisted Carl Foreman é uma metáfora sobre os Estados Unidos acuados e acovardados pelo macarthismo. Gary Cooper ganhou o Oscar de Melhor Ator, mas não foi buscá-lo. Nomeou John Wayne como representante. Este nunca teve apreço por Matar ou morrer. Sempre o considerou como peça antiamericana e a fragilidade de Will Kane, manifestada em pedidos de ajuda, como ausência de profissionalismo e falta de respeito aos cidadãos que jurou proteger. Matar ou morrer é um western político, tal qual sua contraface, Onde começa o inferno (Rio Bravo), realizada por Howard Hawks sete anos depois e estrelada por John Wayne.
O PREÇO DE UM HOMEM
The naked spur, EUA, 1953, 91`
de Anthony Mann
com James Stewart, Janet Leigh, Robert Ryan
O esplendor do western nos anos 50 deve muito a Anthony Mann, graças à crueldade e ao realismo exalados de seus filmes e personagens. Pertencem à sua lavra os fundamentais e rigorosos Winchester’73 (Winchester’73, 1950), Almas em fúria (The Furies, 1950), E o sangue semeou a terra (Bend of the river, 1952), Região do ódio (The far country, 1954), Um certo Capitão Lockhart, O tirano da fronteira (The last frontier, 1957), O homem dos olhos frios, O homem do Oeste e, principalmente, O preço de um homem, com tema sobre os efeitos irracionais da cobiça curtida nos veios do ódio e da obsessão. James Stewart é o atormentado e furioso Howard Kemp. Perdeu tudo na Guerra de Secessão. Depois de tentar a recomposição material como garimpeiro, esfacelou-se afetivamente por causa da mulher que o traiu. A desumanização se completa ao se transformar em caçador de recompensas. Com a sanha de uma fera acuada, os olhos brilhando em odiosa e implacável disposição — provavelmente pelo papel que se obriga a cumprir — persegue a aprisiona Ben Vandergroat (Robert Ryan), criminoso com a cabeça a prêmio. Este tenta se safar mirando as fragilidades psicológicas do caçador. Exuberantes e acidentados cenários naturais emolduram a ação e ampliam a área de alcance da alma atormentada do personagem interpretado pelo sempre talentoso James Stewart, aqui em uma de suas melhores e mais nuançadas caracterizações.
OS BRUTOS TAMBÉM AMAM
Shane, EUA, 1953, 188`
de George Stevens
com Alan Ladd, Jean Arthur, Van Heflin
Se há um western capaz de se identificar plenamente às sagas medievais das canções de gesta, este é Shane — também nome do personagem interpretado por Alan Ladd —, injusta e desastradamente intitulado Os brutos também amam no Brasil. É a idealização de um Oeste que se esvai. Shane, perseguido por seu passado, vaga em busca de lugar para refazer a existência, se possível longe das armas que lhe deram notoriedade. Como um cavaleiro cansado em busca do Graal, desce as Grand Tetons, no Wyoming, ao som de uma das mais inspiradas baladas do western: The call of the far-away hills, de Victor Young. É acolhido pela família do rancheiro Joe Starret (Van Heflin). Torna-se motivo de atração velada da parte de Marian (Jean Arthur) — esposa do anfitrião — e explícita do pequeno Joey (Brandon De Wilde), filho do casal. Talvez tenha encontrado, enfim, oportunidade para se estabelecer e mudar de vida. Mas o território, cultivado por pacíficos e pequenos proprietários, é cobiçado pelo arbitrário barão de gado Ryker (Emile Meyer), apoiado nas armas dos pistoleiros de aluguel. Os conflitos se exacerbam. A vida pacífica pretendida por Shane se revela ilusória. Impoluto, apoiado em aguçado senso de justiça, toma a defesa dos rancheiros, ação que culmina no ajuste de contas com o cínico e frio assassino Wilson (Jack Palance). Vitorioso, mas gravemente ferido, parte rumo às colinas das quais desceu em sua chegada, ouvindo Joey gritar o seu nome, chamando-o para voltar. Os garotos dos anos 50 e 60 cresceram atraídos pelos westerns. Joey, em seu fascínio por Shane, praticamente representa os anseios dessa geração. A realização de George Stevens, por tudo o que sintetiza e significa, pode ser considerada como a mais mítica do gênero.
JOHNNY GUITAR
Johnny Guitar, EUA, 1954, 110`
de Nicholas Ray
com Jean Crawford, Sterling Hayden, Mercedes McCambridge
Um filme estranho, totalmente fora dos padrões. Por isso, é tão fascinante e hipnótico, ainda mais com o acompanhamento dos belos e marcantes acordes de Victor Young. Johnny Guitar é western feminista. O cowboy do título, vivido por Sterling Hayden, aposentou as armas. Acompanha-o o violão. Cultiva os prazeres simples da vida: “Um homem precisa apenas de café e cigarro”. São as mulheres que impõem rumo à ação: a decidida e impura Vienna (Joan Crawford) de um lado; a vingativa e possessa dona do pedaço, Emma Small (Mercedes McCambridge) de outro. Aparentemente, disputam o mesmo homem. Entretanto, o roteiro reescrito pelo diretor evidencia um subtexto homossexual. Vienna é empreendedora. Pretende se estabelecer economicamente explorando concessão da via férrea em expansão. A conservadora Emma, à frente dos respeitáveis cidadãos, sempre trajados em negro, pretende barrar-lhe as pretensões. Os homens são meros espectadores das disputas entre duas personalidades fortes, assemelhadas a forças da natureza. O berrante e quente Trucolor da fotografia de Harry Stradling Sr. reforça essa impressão. É um dos filmes preferidos de Jean-Luc Godard. De certa forma, a trama serve como metáfora ao momento político vivido pelos Estados Unidos quando da realização: a farisaica Emma e seu séquito de cidadãos impolutos podem ser identificados como forças do establishment macarthista contra as iniciativas da publicana e emergente Vienna.
RASTROS DE ÓDIO
The searchers, EUA, 1956, 119`
de John Ford
com John Wayne, Jeffrey Hunter, Vera Miles
O centésimo décimo quinto título da filmografia de John Ford é a mais complexa de suas realizações. Extraído de um romance de Alan Le May, Rastros de ódio acompanha a saga obsessiva de um perdedor amargurado que não acredita em rendições. John Wayne, na nona parceria com John Ford, é Ethan Edwards, o texano desgarrado. Derrotado na Guerra de Secessão, volta, qual “irmão pródigo”, ao convívio dos seus depois de vagar pelo México. Um ataque dos comanches lhe arranca quase toda a família, inclusive a cunhada Martha (Dorothy Jordan), a quem secretamente amou antes de se alistar nas forças confederadas. Sobrevive apenas a sobrinha Debbie (Lana Wood e Natalie Wood), de aproximadamente 10 anos, raptada. Uma jornada de reconhecimento e perda da alma, com duração aproximada de cinco anos — pontuada de idas e vindas na companhia do sobrinho torto, o mestiço Martin Pawley (Jeffrey Hunter) —, leva o individualista e racista Ethan a uma incansável e interminável procura por seu único laço de sangue. O personagem é um equivalente a Ulisses. Mas ao contrário do personagem de Homero, não terá casa ou mulher para voltar. Como se fosse a contraface do comanche morto que profanou e amaldiçoou, está condenado a vagar sem rumo certo, entre o vento e a poeira. Desprestigiado no lançamento, Rastros de ódio ganhou reconhecimento com a passagem dos anos. Entre os primeiros a enaltecê-lo está o crítico brasileiro Antônio Moniz Viana. Hoje, conta com fãs ardorosos: Martin Scorsese, Paul Schrader, Steven Spielberg, Curtis Hanson, John Milius, Brian De Palma, Clint Eastwood, Jean-Luc Godard, Wim Wenders, George Lucas, além dos falecidos Lindsay Anderson e Akira Kurosawa. É o mais complexo dos westerns, protagonizado por um John Wayne assustador, como nunca se viu. Esse ator, tão desvalorizado, tem como Ethan Edwards um dos grandes papéis do cinema. O cenário preferido de Ford, o Monument Valley, originalmente captado em Technicolor e VistaVision pelas lentes de Winton C. Hoch, assume o posto de locação das mais emblemáticas do cinema. Não é um mero pano de fundo ao desenvolvimento da ação. É cenário vivo, espelho revelador da alma atormentada de Ethan.
GALANTE E SANGUINÁRIO
3:10 to Yuma, EUA, 1957, 92`
de Delmer Daves
com Glenn Ford, Van Heflin, Felicia Farr
Dois elementos se destacam neste western coeso de Delmer Daves, adaptado de um conto de Elmore Leonard. Em primeiro lugar, a fotografia de Charles Lawton Jr. na evocação dos amplos espaços abertos que conferem ao filme uma paradoxal sensação de claustrofobia. A paisagem descortinada em seus horizontes, sob um céu estático e inquietante, apequena os seres, destacando-lhes a solidão da qual se tornam prisioneiros. Em segundo lugar, a leitura psicológica decorrente do embate entre Dan Evans (Van Heflin) e Ben Wade (Glenn Ford). Evans, sitiante em dificuldades financeiras, aceita a missão de guardar e transportar até a penitenciária de Yuma o prisioneiro Wade, o galante e supostamente sanguinário do título brasileiro. Evans, homem comum, desprovido de maiores pretensões, é pressionado o tempo todo pelo carisma e capacidade de expressão do fora da lei, notadamente uma personalidade extraordinária, ainda mais se comparado ao apagado sitiante. O poder de sedução do personagem de Ford se estende pela família de seu guardião: os dois filhos menores e assumidamente a esposa carente Emy (Felicia Farr). Além do mais, há o cerco exercido pelos cúmplices do prisioneiro e o misto de má vontade e pusilanimidade dos maiorais da comunidade, que convenceram o agricultor a dar cabo da missão. Galante e sanguinário parece o ponto de convergência de temas também desenvolvidos com destreza em outros westerns dos anos 50, notadamente Matar ou morrer, de Fred Zinnemann, e Os brutos também amam, de George Stevens. Não é um filme apoiado na violência física. A ação, essencialmente verbal e psicológica, mantém a narrativa em permanente tensão. Entretanto, Delmer Daves a conduz de modo a destacar sutilmente um ponto de equilíbrio entre as personalidades de Evans e Wade. Cada qual pretendia o tipo de vida ou, em outros termos, a sorte do outro. A refilmagem de James Mangold, de 2007, preservou o título original e foi batizada como Os indomáveis no Brasil.
ONDE COMEÇA O INFERNO
Rio Bravo, EUA, 1959, 141`
de Howard Hawks
com John Wayne, Dean Martin, Ricky Nelson
John Wayne e Howard Hawks desdenharam de Matar ou morrer. Consideraram a realização de Fred Zinnemann e o personagem do marshall Will Kane (Gary Cooper) como lesivos ao espírito americano. Sentiam vergonha do retrato pusilânime da comunidade acovardada, que abandonou o homem da lei à própria sorte. Por outro lado, o comportamento de Will Kane foi avaliado como antiprofissional. Ofereceram, com Onde começa o inferno, sólida e bem amarrada resposta cinematográfica a Matar ou morrer. O xerife John T. Chance (John Wayne), apoiado no velho coxo Stumpy (Walter Brennan) e no bêbado Dude (Dean Martin) — adiante terá o auxílio de Colorado Ryan (Ricky Nelson) —, desponta como líder de uma equipe quixotesca, guardadas as devidas proporções. Entretanto, esse grupo tem plena ciência do papel que deve cumprir: manter sob custódia, não importa a que preço, o assassino Joe Burdette (Claude Akins), irmão de Nathan (John Russell), plenipotenciário local à frente de um ameaçador time de pistoleiros. Apesar da situação adversa, John T. Chance faz de tudo para honrar o ofício e a si próprio, sem arriscar a vida dos cidadãos que poderiam auxiliá-lo. O roteiro de Jules Furthman e Leigh Brackett, primor de síntese, é transposto à tela com maestria por Howard Hawks, recuperado do fracasso que lhe abalou a autoconfiança quatro anos antes: Terra de faraós (Land of the pharaohs). Além do mais, Onde começa o inferno é um dos melhores filmes a respeito da solidariedade e amizade masculinas. O tema musical, El deguello, de Dimitri Tionkim, inspirado no toque de clarim de mesmo nome da cavalaria mexicana, coroa o ambiente de tensão que perpassa a narrativa e entrou para a história. Howard Hawks ainda realizaria duas variações do filme: El Dorado (El Dorado, 1966) e Rio Lobo (Rio Lobo, 1970).
O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA
The man who shot Liberty Valance, EUA, 1962, 124`
de John Ford
com James Stewart, John Wayne, Vera Miles
Em Shinbone, Tom Doniphon (John Wayne) morreu pobre e esquecido. É velado em rústico caixão nos fundos de uma carpintaria improvisada em agência funerária. Será sepultado como indigente. A princípio, fazem-se presentes somente o ex-xerife do lugar, Link Appleyard (Andy Devine), e Pompey (Woody Strode), ancião negro, acompanhante do falecido. Porém, chegam da capital o senador da república Ramson Stoddard (James Stewart) e a esposa, Hallie (Vera Miles). Ele tem muito a dizer sobre o obscuro personagem. A imprensa se agita. Pergunta: por que alguém tão ilustre viajaria distância tão considerável para acompanhar as exéquias de um desconhecido? O senador aproveita o momento para prestar contas com o passado, operação que lançará luzes sobre o morto e poderá macular a ilibada reputação de homem público que construiu. O homem que matou o facínora é um western crepuscular na real acepção do termo. John Ford abandona os espaços abertos e concentra a narrativa nos limites fechados da cidade em ebulição, desprovida de horizontes, desenvolvendo-a quase sempre à noite, em dependências que o western raramente consideraria: a cozinha de um restaurante e a sala de aula improvisada nos fundos da redação de um jornal. É um filme de bastidores, sobre o fim do Oeste, do cowboy e da ascensão de um tempo novo, feito de lei e ordem. No entanto, Ford lembra: mudanças dependem de processos. Assim, o mundo moderno pretendido pelo personagem de Stewart, advogado de formação, não se faz a partir do nada. Foi construído sobre os encontros da tradição, com o apoio do poder arbitrário do nobre, heroico, leal, desprendido e justiceiro Tom Doniphon, vocacionado ao sacrifício e agora olvidado. A frase símbolo do filme, pronunciada pelo jornalista que entrevistou o senador e se recusa a publicar a verdade dos fatos é: “Quanto a realidade se transforma em lenda, imprima a lenda”. São dizeres que contam muito sobre o Oeste e sua recriação pelo cinema, principalmente nas epopeias de John Ford, ambientadas na fronteira ocidental do seu país. Mas assumem significados irônicos, amargos e trágicos nessa reflexão que aponta para as diferenças entre lenda e realidade, fato e mito, modernidade e tradição. O homem que matou o facínora é um filme reflexivo e, acima de tudo, cativante. Depois dele, o western adulto nunca mais seria o mesmo. Com essa realização, John Ford começa a se despedir do gênero e do cinema, ainda que permaneça em ação até 1967.
PISTOLEIROS DO ENTARDECER
Ride the high country, EUA, 1962 , 94`
de Sam Peckimpah
com Joel McCrea, Randolph Scott, Mariette Hartley
É o segundo filme dirigido por Sam Peckinpah e um dos mais ternos westerns crepusculares. O diretor sempre voltou a atenção aos temas alusivos ao fim do velho Oeste. E fez de Pistoleiros do Entardecer uma das mais belas e nostálgicas evocações cinematográficas sobre o fechamento de uma era conformada aos feitos históricos e míticos dos cowboys que abriram a fronteira ocidental dos Estados Unidos às suas iniciativas expansionistas e colonizadoras. O filme testemunha o ostracismo ao qual foram relegados os exploradores pioneiros, após desbravar e conquistar, de modo nada pacífico, o território povoado por índios e bisões, integrando-o à marcha ocidental de civilização e progresso. Steve Judd (Joel McCrea) e Gil Westrum (Randolph Scott), sobreviventes das épocas heroicas, estão velhos e esquecidos. Assistem, entre a perplexidade e a resignação, ao encerramento de seu mundo. Resistem como incômodos anacronismos a perturbar o nascimento de um tempo novo, que desponta trocando o cavalo pelo automóvel; aposentando cinturões, revólveres, alforjes e chapéus, substituindo-os por livros, pastas, leis, ternos e cartolas. O começo é amargamente irônico. Judd, em seu cavalo, chega à cidade onde um trabalho o aguarda. Por pouco não é atropelado por um automóvel. Seu antigo companheiro, Gil, um ás do gatilho, agora resiste como curiosidade numa feira de variedades. Pela única vez McCrea e Scott, dois dos mais célebres atores do western, atuam juntos. Os tempos do heroísmo pioneiro terminaram. Mas a eles ainda será concedida a oportunidade de atuações exemplares, finalizada por emocionante e honrosa despedida, segundo os padrões dos velhos tempos, erguidos ao patamar das lendas. Para muitos, é o melhor filme do diretor.
CREPÚSCULO DE UMA RAÇA
Cheyenne Autumn, EUA, 1964, 154`
de John Ford
com Richard Widmark, Carroll Baker, Karl Malden
Uma injustiça paira sobre John Ford, alimentada inclusive por ele. Em entrevista a Peter Bogdanovich, fez coro com os detratores que o acusavam de ser dizimador de índios no cinema: “Sabe, matei mais índios que Custer, Beecher e Chivington juntos”. Mesmo que isso fosse verdade, há que destacar: Ford foi o primeiro cineasta a conferir status de humanidade ao índio em Sangue de heróis. Também amparou os Navajos, que o chamavam de Natani Nez (Alto Líder). Não é exagero afirmar: Sangue de heróis permitiu, em dois anos, a realização de Flechas de fogo, libelo pró-indígena de Delmer Daves. Da mesma forma, Crepúsculo de uma raça possibilitou Pequeno Grande Homem, de Arthur Penn; Quando é preciso ser homem, de Ralph Nelson; e Dança com Lobos, de Kevin Costner, que denunciam massacres e genocídios cometidos pelo Exército dos Estados Unidos. Os Cheyennes protagonizam Crepúsculo de uma raça. Removidos de Yellowstone, terra ancestral, retornaram a ela numa caminhada 2.400 km após o descumprimento de todas as promessas governamentais. O episódio, apesar de real, não passa de nota de rodapé nos anais da história, como frisa a narração. Com condução pausada, obediente ao solene compasso da tragédia, Crepúsculo de uma raça é filmado no Monument Valley. O cenário, sinônimo dos filmes do diretor, ganha significados assustadores, nunca vistos. Enquanto os índios avançam, quais fantasmagorias na linha do horizonte, as mesas e pináculos lembram um imenso sepulcro a céu aberto, como a comunicar que o esforço decorrente de tamanha disposição não passará de empreendimento vão.
MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA
The wild bunch, EUA, 1969, 145`
de Sam Peckinpah
com William Holden, Ernest Borgnine, Robert Ryan
1913: o velho Oeste agoniza. A região não mais corresponde ao mito da terra da promissão à qual acorriam pioneiros em caravanas de carroças cobertas ou indivíduos que se bastavam exclusivamente neles mesmos, armados e solitários em seus cavalos. O capitalismo dos grandes negócios organizados em monopólios dita as normas. As cidades estão sob império dos princípios objetivos e impessoais da lei e da ordem, com amparo dos códigos religiosos de extração puritana. Pike Bishop (William Holden) e seus companheiros estão à margem. Resistem como reminiscências tardias de um mundo que não mais os reconhece e ao qual chegaram tarde para realizar as promessas de integração do sonho americano. Depois de uma tentativa desesperada de assalto, na qual foram brutalmente emboscados com significativas baixas, internam-se no México. Tentam recomposição vendendo serviços às forças contrarrevolucionárias em luta contra Pancho Villa. Meu ódio será sua herança concretiza, de certo modo, as pretensões frustradas do diretor com o vilipendiado Juramento de vingança (Major Dundee, 1965), que quase lhe custou a carreira. Está apoiado sobre ponto de vista moderno, desencantado, melancólico e violento. Ecoa como lancinante grito de desespero. Pike Bishop, Dutch Engstrom (Ernest Borgnine), Lyle Gorch (Warren Oates), Tector Gorch (Ben Johnson), Freddie Sykes (Edmond O’Brien) e Angel (Jaime Sanchez) tentam se manter vivos e unidos com base nos princípios de um código de honra tornado anacrônico pelo advento de uma era revestida de imediatismo e instrumentalização, que os percebe como assustadoras fantasmagorias. Poucas vezes o cinema mostrou de forma tão brutal e turbulenta o fim de um período e dos indivíduos que ficaram à deriva. Mesmo assim, apesar da aridez que o reveste, Meu ódio será sua herança não desperdiçou a oportunidade do testamento poético ao utilizar a canção La Golondrina para ilustrar uma das mais belas sequências de despedida do cinema. Ao fim, sobram apenas silhuetas ou traços esmaecidos de um retrato desgastado pela impiedosa marcha batida do tempo. Com este filme, Sam Peckinpah fez jus ao título de “poeta da violência e da câmera lenta”. Legou ao cinema um dos mais doloridos e melhores westerns crepusculares.
OS IMPERDOÁVEIS
Unforgiven, EUA, 1992, 131`
de Clint Eastwood
com Clint Eastwood, Gene Hackman, Morgan Freeman
Os imperdoáveis vem a público quando o western parecia fadado ao desaparecimento. Já não frequentava os cinemas. As estrelas emblemáticas e principais realizadores haviam falecido. Mesmo assim, “o cinema americano por excelência” resistia canhestramente, como cadáver insepulto, em produções baratas relegadas à TV ou lançadas diretamente em vídeo doméstico. Clint Eastwood lhe restitui a nobreza e breve sobrevida. Os imperdoáveis é emblemático em sua respiração crepuscular. Capta o fim do velho Oeste e de sua mitologia. Mas também exalta, com inspiração e senso crítico, os valores que deram sentido ao gênero em seu esplendor: amizade, lealdade, integridade, justiça e honra. O roteiro de David Webb Peoples põe em relevo os efeitos da violência sobre os indivíduos e o modo originalmente heterodoxo e experimental da formação dos Estados Unidos como nação. De um lado há Little Bill Daggett (Gene Hackman), xerife de Big Whiskey, Wyoming. Fora da lei regenerado, impõe a lei à sua moda, fundamentado nas lições absorvidas nos tempos de refratário aos imperativos da ordem. Agora é um agente da civilização em progresso, simbolizada magistralmente pela casa que constrói aos trancos e barrancos, alheia à ortodoxia de qualquer linha, esquadro e compasso. De outro lado há William Munny (Eastwood), esquecido, alquebrado e regenerado pistoleiro, autor de feitos dos quais não se orgulha. Viúvo com filhos menores para cuidar e sobrevivendo em precárias condições, aceita a contragosto a missão remunerada de vingar uma prostituta retalhada por vaqueiros em Big Whiskey. Cavalga com o antigo companheiro Ned Logan (Morgan Freeman) e o candidato a pistoleiro The Schofield Kid (Jaimz Woolvett). William Munny representa o passado lendário e decadente em conflito com o Oeste reconfigurado pela brutalidade sádica e legal de Daggett. Como testemunha privilegiada desse embate há o jornalista W. W. Beauchamp (Saul Rubinek), reciclador e construtor de mitos à moda fordiana segundo a expressão “Quando a realidade se transforma em lenda, imprima a lenda” de O homem que matou o facínora. Após a prestação de contas e sem qualquer laivo de glória, Munny deixa a cidade. Parte camuflado pela noite chuvosa enquanto lança ameaças em tons proféticos, como se fornecesse desencantado epitáfio ao gênero.