Zumbis nas telas

Na primeira exibição do cineclube Rã Vermelha (que começa dia 9 de abril) será possível ver o trabalho de Rodrigo Aragão em “Mar Negro”, que faz parte de sua trilogia (até o presente momento) de “eco-terror”. E sim, Mar Negro tem sangue, muito sangue, e, é claro, zumbis. E já que estamos falando deles, nada melhor do que um post voltado para os queridos cadáveres comedores de cérebro.

por Otávio Lima e Max Rumjanek (revisão e segmento Fome Animal)

Os temor do ocidente frente à ameaça da guerra nuclear, da lavagem cerebral e da dominação imperialista deu a base para as analogias do cinema de zumbi e impulsionou esses mortos-vivos a evoluírem na indústria cinematográfica e se popularizarem na cultura dos Estados Unidos e do mundo. Esses monstros se transformaram em material extraordinário para os filmes do cinema de terror norte-americano. Mesmo sendo rechaçados pela crítica e diminuídos quando comparados a outros monstros (mais nobres por sua antiga literatura, como a de Bram Stoker e Mary Shelley), os zumbis passaram de “persona non grata” do cinema aos monstros mais pop da atualidade.
Desde seu começo na história do cinema (com “Zumbi Branco”, filme de 1932) os zumbis passaram de homens com suas almas tomadas por um feiticeiro vudu e escravizados a predadores ferozes contaminados por um vírus letal e sem cura (majoritariamente) que se espalha pelo mundo, destruindo a civilização (como em “Despertar dos Mortos”, filme de 1978 dirigido pelo seminal George Romero). Na lista que segue será traçada a trajetória deste monstro putrefato no cinema.

ZUMBI BRANCO

White zombie, EUA, 1932, 69’
de Victor Halperin
com Bela Lugosi, John Harron, Madge Bellany, Robert Frazer

ZUMBI BRANCO

O filme é uma produção de baixo custo, parcialmente por conta de não ter sido necessário à época pagar direitos autorais para William Seabrook, escritor e aventureiro americano que escrevera “Ilha da Magia”, um livro sobre sua viagem ao Haiti que relata seu contato com o vudu e os zumbis. Como ele afirmava que seu relato era verdadeiro, não podia lucrar com o uso de sua história. “Zumbi Branco” conta com o famoso Bela Lugosi, contratado por um salário ínfimo de US$ 800 semanais para um trabalho de onze dias, e rendeu inesperados 8 milhões de dólares de bilheteria (Lugosi aparentemente tinha pressa para assinar contratos e parecia não os ler, já que o mesmo ocorreu com a produção da Universal de “Drácula”, na qual foi contratado por US$ 500 semanais para o trabalho que durou sete semanas). Neste filme os zumbis são simples corpos enfeitiçados para que se tornem submissos a um mestre.

A MORTA-VIVA

I walked with a zombie, EUA, 1943, 69’
de Jacques Tourneur
com Frances Dee, Tom Conway, James Ellison

A MORTA-VIVA

Nos anos 40, os filmes de terror entraram em declínio e chegaram aos estúdios mais “pobres” de Hollywood. Aos zumbis sobrou a sarjeta do “Poverty Row” holywoodiano, o que fez com que as produções do subgênero que se seguiram tomassem novos rumos, em uma tentativa de se reerguerem. Assim, estes filmes passaram a apresentar constantemente temáticas sobre confrontos raciais entre negros e brancos, conflito este que se fez presente em grande parte da história norte-americana e da história de Hollywood, onde o assunto cresceu com a chegada de profissionais negros que lutavam pelo seu espaço em meio aos realizadores brancos, já muito bem estabelecidos. Neste contexto entrou “A Morta-Viva”. Após o tombo sofrido pelos fracassos de Orson Welles (“Cidadão Kane” e “Soberba”), a RKO ressuscitou os filmes de zumbi com a produção de Val Lewton, que elevou a figura do morto-vivo a um patamar de seriedade, fazendo-o não mais representar a suposta barbárie dos negros caribenhos, mas a própria dúvida do mundo branco quanto à sua suposta superioridade, já que os zumbis deste longa não podem ser explicados pela ciência do Primeiro Mundo branco.

O CADÁVER ATÔMICO

Creature with the atom brain, EUA, 1955, 96’
de Edward L. Cahn
com Richard Denning, Angela Stevens, S. John Launer

O CADaVER AToMICO

O “Cadáver Atômico” (junto com outros filmes, como o infame “Plano 9 do Espaço Sideral”) fez parte da renovação dos filmes de terror, que tomaram fôlego com as bombas que encerraram a Segunda Guerra Mundial e a paranóia da Guerra Fria, adotando temáticas radioativas e interplanetares, pautadas no medo do apocalipse nuclear, da invasão e dominação estrangeira. Na produção de Edward L. Cahn, escrita por Curtis Siodmak (também roteirista de “A Morta-Viva”), o cientista nazista Dr. Whilhem Steigg (Gregory Gay) usa a radioatividade para reanimar cadáveres e exercer o controle sobre eles para que exerçam atividades criminosas.

A NOITE DOS MORTOS-VIVOS

The night of the living dead, EUA, 1968, 96’
de George A. Romero
com Duane Jones, Judith O’ Dea, Karl Hardman

A Noite dos Mortos Vivos

“A Noite dos Mortos-Vivos”, de Romero, redefiniu os filmes de zumbi, tornando-se o grande codificador moderno do subgênero. Neste filme, as criaturas foram remodeladas e ganharam uma nova expressão corporal, tal como um novo desejo: carne humana. A figura dos zumbis, como reconhecemos hoje (cadáveres em putrefação que andam se arrastando em busca de carne humana, movidos unicamente por seus instintos mais primitivos), foram configuradas nos moldes de Romero. O filme foi um sucesso absoluto de bilheteria, em grande parte porque suas críticas eram apelativas e instigavam o público. A Variety fez a seguinte crítica: “Até a Suprema Corte estabelecer as diretrizes precisas para a violência explícita, A Noite dos Mortos-Vivos servirá como definição de excesso, como exemplo. Em apenas 90 minutos, esse terror de filme (trocadilho intencional) levanta sérias dúvidas quanto à integridade e responsabilidade social de seus realizadores de Pittsburgh, do distribuidor Walter Reade, da indústria do cinema como um todo e dos exibidores que agendam o filme, assim como levantará dúvidas em relação ao futuro do movimento do cinema regional e quanto à saúde moral das plateias que decidem por livre e espontânea vontade assistir a essa orgia de sadismo […]” .
Romero junta em uma casa uma série de refugiados de um ataque zumbi, entre eles uma branca loira apática, incapaz de qualquer ação pelo seu estado de choque, e um negro, que garante a segurança da moça e dele próprio, mesmo que pelo caminho seja bastante severo com ela. A esta equação se somam, advindos do porão da casa, um casal jovem e um casal mais velho, que tem uma filha, ainda criança, todos brancos. A criança está à beira da morte e o pai está na margem da loucura. No desenrolar da trama, os valores da sociedade são corrompidos, fazendo os zumbis devorarem os vivos e ainda, alguns dos sobreviventes devorarem uns aos outros, como na instância em que a filha devora seus pais. Como Psicose, de Hitchcock, havia anunciado em 1960: o pior terror é o que vem de dentro, dos lugares comuns, e não mais dos céus, mas da casa ao lado. Romero ainda provoca um embate racial. O negro Ben (Duane Jones) tenta mandar no branco Cooper (Karl Hardman), que não aceita suas demandas, e os dois fazem um duelo de egos, até tentarem se matar, mesmo que estejam na mesma situação. É o fim da moral da sociedade, a desumanização frente à quebra da sociedade provocada pela iminência da morte e a obviedade da efemeridade da vida. A impotência da humanidade perante os acontecimentos também é impostada neste e em outros filmes do diretor, uma vez que não há explicação clara para o levante dos mortos contra os vivos. Para completar, o filme não tem um “happy ending”.

DIA DOS MORTOS

Day of the dead, EUA, 1985, 102’
de George A. Romero
com Lori Cardille, Terry Alexander, Joseph Pilato

DIA DOS MORTOS

Na filmografia de Romero, os zumbis ora são tratados como monstros famintos por carne humana, ora possuem uma reminiscência do que eram quando em vida. Em “Dia dos mortos”, o zumbi Bub (Howard Sherman) se lembra de como usar uma arma e demonstra sentimentos pelo doutor que faz experimentos com os mortos-vivos. O doutor é morto e, por vingança, Bub mata o assassino a tiros, numa reinterpretação da história do Dr. Frankenstein. O filme faz parte de uma onda de filmes de zumbi dos anos 1980, que ganharam força pelos sucessos do diretor e foram responsáveis pela consolidação de vários subgêneros, entre eles o “splatter” (ou gore). “Dia dos mortos” é um expoente do “splatstick”, combinação dos termos “splatter” (subgênero do terror no qual o sangue esguicha “na tela”) e “slapstick” (comédia-pastelão inglesa, ou de pancadaria). O “splatstick” viria a ser um microgênero influenciador, no qual sangue e pus tomaram o lugar de tortas de creme e esguichadas de soda, causando no espectador sentimentos mistos de risos, gritos e náusea.

RE-ANIMATOR

Re-animator, EUA, 1985, 104’
de Stuart Gordon
Com Jeffrey Combs, Bruce Abbott, Barbara Crampton

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Este é o maior representante do “splatstick”. “Re-Animator” é uma adaptação livre da história de H. P. Lovecraft, no qual um estudante de medicina encontra uma fórmula para trazer vida aos mortos, achando que revolucionará a medicina, mas acaba transformando os pacientes, inclusive o gato de seu companheiro de apartamento, em zumbis com desejo de matança. O filme mescla o horror gore com muito humor negro e situações cômicas, como o duelo de West e Cain contra o gato zumbi. Do modo como foi feito, o filme de Stuart Gordon é um excelente exemplo de obra que se assume e é propositalmente ruim, incorporando o posicionamento de que cinema é entretenimento e não deve ser sempre levado a sério.

FOME ANIMAL

Braindead, Nova Zelândia, 1992, 104’
De Peter Jackson
Com Timothy Balme, Diana Peñalver, Elizabeth Moody

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Em “Fome Animal”, dirigido por um jovem Peter Jackson pré-fama, vemos o “splatstick” levado ao seu extremo. Enquanto “Re-Animator” por vezes é sutil no seu humor, com personagens que aparentam levar a sério os absurdos à sua volta, possivelmente ludibriando o espectador a julgar aquela obra como sendo pretensamente uma tentativa honesta de exprimir o horror, “Fome Animal” não dá margem a dúvidas: desde a primeira sequência envolvendo o caricato rato-macaco na Sumatra, até a conclusão ridiculamente sanguinolenta, consistindo de um massacre de zumbis via cortador de grama, o filme testa os limites do disparatado, consagrando-se como um clássico do cinema “trash” e um dos espécimes mais caoticamente cômicos do subgênero dos filmes de zumbi.

EXTERMÍNIO

28 days later…, Reino Unido, 2002, 113’
de Danny Boyle
Com Cillian Murphy, Naomie Harris, Christopher Eccleston

Exterminio

Os jogos de videogame também foram importantes para a trajetória dos zumbis, em especial a franquia de jogos “Resident Evil”, que por sua vez gerou uma série de filmes. O primeiro filme, “Resident Evil – O Hóspede Maldito”, deu uma enorme visibilidade aos monstros, gerando um renovado interesse das grandes produtoras em realizarem filmes do gênero. No mesmo ano foi lançado “Extermínio”, com menos ação e mais terror. Nele, uma epidemia viral, advinda de chimpanzés-cobaia em laboratórios, atinge o mundo, transformando as pessoas em zumbis implacáveis. Os monstros de Danny Boyle se diferem dos zumbis de Romero em dois aspectos: o primeiro é que não são pessoas que morreram e voltaram, na medida em que o vírus os transforma enquanto vivos; o segundo é que eles não são corpos que se arrastam em busca de carne. Eles correm, freneticamente. A impostação corporal dos atores que os interpretam também é diferente: agora eles se contorcem e mostram dentes como um cachorro raivoso, agindo como verdadeiros predadores do novo mundo apocalíptico. Talvez o motivo pela mudança dos zumbis resida em um fato já apontado por Tom Savini, que ao fazer o re-make de “A Noite dos Mortos-Vivos” em 1990 constatou que, após anos de cinema com zumbis, eles já não amedrontavam mais e era preciso reinventá-los para lembrar aos espectadores que eles eram monstros e tinham que ser temidos.

TODO MUNDO QUASE MORTO

Shaun of the dead, Reino Unido, 2004, 99’
de Simon Pegg e Edgar Wright
Com Simon Pegg, Nick Frost, Kate Ashfield

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Entre a grande miscelânea de gêneros saiu, em 2004, algo diferente, que se apossou dos elementos do horror gore e os utilizou em um filme de comédia, sendo até classificado com o termo “rom zom com” (romantic zombie comedy), significando “comédia romântica de zumbi”. “Todo Mundo Quase Morto” (o título que o filme ganhou no Brasil não permite a brincadeira com o filme de Romero “Dawn of the Dead”, traduzido no Brasil para “Despertar dos mortos”) se utiliza do melhor do humor negro e sarcástico dos ingleses. No filme, o protagonista Shaun, além de batalhar para mudar sua vida patética, reconquistando sua ex-namorada e se reconciliando com sua mãe, tem que lutar contra os zumbis da Inglaterra. A direção de Edgar Wright e a montagem de Chris Dickens compõem muito bem o filme, dando uma cadência formidável à intercalação entre comédia, drama, ação e terror. “Todo Mundo Quase Morto” chamou atenção e, além de levar Simon Pegg e Wright ao estrelato, influenciou a comédia “Zumbilândia”, de Ruben Fleischer, que conta com Woody Harrelson, Jesse Eisenberg, Emma Stone e uma pontinha de Bill Murray no elenco.

ZUMBIS NA TV

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Os zumbis ganharam uma série de televisão bem-sucedida em 2010. Já caminhando para a sexta temporada, “The Walking Dead”, inspirada em quadrinhos homônimos, resgata o zumbi clássico de Romero, dando a ele uma espetacular maquiagem que permite close-ups com câmeras de alta definição. A série explora a fundo a luta das pessoas para não se desumanizarem frente ao apocalipse, relegando os zumbis ao segundo plano e focando no desenvolvimento psicológico dos sobreviventes.
“In The Flesh”, minissérie da BBC com duas temporadas, conta a história de Kieren Walker (Luke Newberry) um ex-zumbi. A série inglesa trata da cura dos zumbis e a reinserção deles na sociedade. Kieren retorna para seu vilarejo em Lancashire e não é bem recebido.
Em “Les Revenants,” série francesa de 2012 (agora com uma versão americana chamada “The Returned”), os mortos também tentam retornar a sua vida normal, mas inexplicáveis assassinatos começam a acontecer.
Lançada em março de 2015, “iZombie” conta a história de Olivia Moore (Rose McIver), uma aplicada estudante de medicina que tem seus planos destruídos após ser transformada em um zumbi. A protagonista consegue um emprego como médica legista, perfeito para quem precisa comer cérebros com frequência para manter sua humanidade.

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