O Brasil e as coproduções – Paulina e Zoom

Chama-se de “coprodução internacional” aquele filme no qual empresas produtoras de dois ou mais países se associam para realizar uma obra, dividindo entre elas a responsabilidade pelo financiamento, mas também a participação artística e técnica na sua realização. O Brasil, por muito tempo, foi um dos países que menos tradição criou nessa prática, em grande parte por ser o único país em que se fala português na América Latina (os países vizinhos, por questões de heranças históricas e facilidades de contato em geral costumam coproduzir bastante entre si, como é o caso entre vários dos países europeus, por exemplo, assim como entre países hispânicos no caso latino), e por haver passado muito tempo voltado para o objetivo de conquistar, antes de tudo, o seu próprio mercado interno para os filmes brasileiros. Desde a virada dos anos 2000, porém, a prática vem se tornando mais e mais comum, tanto em filmes dirigidos por brasileiros tendo a empresa produtora nacional como sócia majoritária, como em coproduções em que o Brasil entra como o sócio minoritário. As vantagens para esse tipo de associação são muitas, como demonstram dois dos filmes que o Cine Arte UFF programa nessa semana – obras bastante diversas entre si.

Paulina se enquadra nessa maior associação com os “países hermanos” que os produtores brasileiros têm buscado cada vez mais. Inclusive, é fruto de uma iniciativa comum das instituições nacionais governamentais que cuidam das políticas audiovisuais dos dois países, através de um edital de coprodução realizado entre a ANCINE (Brasil) e o INCAA (Argentina). Essa iniciativa, que começou no ano de 2011 e desde então tem selecionado 4 projetos de longas por ano (dois majoritários de cada país) é considerada um marco no aumento das relações entre os produtores dos dois países, e hoje a Argentina já é o país com o qual o Brasil realiza o maior número de projetos em coprodução por ano, tendo inclusive ultrapassado Portugal, tradicionalmente o parceiro mais comum (por óbvias razões históricas e de língua). O lançamento do filme no Brasil acaba acontecendo num momento tristemente coincidente, pois no cerne da sua narrativa está um episódio de violência sexual contra uma mulher praticado por um grupo de homens. Como se vê, infelizmente uma questão muito mais reincidente na sociedade mundial do que se deixa admitir.

Paulina

Refilmagem de um clássico do cinema argentino de 1960, sendo que ambos os filmes partilham o mesmo título original: La patota, este é o segundo longa dirigido pelo argentino Santiago Mitre – cujo primeiro filme, O estudante, também foi lançado no Brasil. Através da carreira do primeiro filme, Mitre conheceu o cineasta e produtor brasileiro Walter Salles, que se interessou em coproduzir o projeto seguinte do diretor. E foi assim que Paulina terminou se tornando uma coprodução entre os dois países. A estreia mundial do filme se deu no Festival de Cannes de 2015, no qual ganhou o prêmio principal dentro da Semana da Crítica, uma mostra paralela dedicada a diretores que realizam seu primeiro ou segundo longa. A grande visibilidade internacional conseguida a partir dessa estreia representa o tipo de possibilidade bastante interessante para os produtores que se associam como minoritários a um projeto que tenha um diretor ou uma história com alto potencial de internacionalização, como era o caso aqui.

O mesmo tipo de exposição de alto nível aconteceu com Zoom, cuja estreia aconteceu no Festival de Toronto de 2015 – evento que é considerado o maior festival de cinema realizado na América do Norte. Zoom é um caso raro como coprodução: embora a sua empresa produtora majoritária (e que portanto viabiliza a maior parte do financiamento, e detém a maior parte dos direitos sobre o filme) seja canadense, o diretor é o brasileiro Pedro Morelli. O motivo dessa relação de confiança entre os produtores (ainda mais em se tratando da estreia do diretor como realização solo – ele havia codirigido um filme anteriormente) se explica pelo fato de que as empresas brasileira (O2 Filmes) e canadense (Rhombus Media) já tinham uma experiência anterior em comum, tendo coproduzido o filme Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles.

Zoom

No caso de Zoom, embora a ideia original seja do cineasta brasileiro, a empresa canadense achou que havia um potencial criativo e comercial interessante, especialmente no caso do filme ser realizado em inglês, e incorporando no seu elenco atores internacionais como Gael Garcia Bernal, Allison Pill e Jason Priestley (sem abrir mão de também ter uma estrela brasileira, como Mariana Ximenes). Esse tipo de ideia “multinacional” é uma das mais comuns de serem realizadas como coprodução. No caso do Brasil e Canadá, apesar da distância geográfica considerável, são fortes os laços entre empresas audiovisuais, principalmente no campo da animação – o que encontra eco nesse filme, que tem uma de suas narrativas desenvolvidas nesse formato. Isso se deve em grande parte ao fato do Canadá ser um dos países com maior porcentagem de obras audiovisuais realizadas em coprodução internacional – uma maneira que o país encontrou de internacionalizar os seus filmes e talentos, diminuindo o risco de ver sua produção ser “afogada” pela pujança financeira da indústria do seu vizinho norte-americano.

Eduardo Valente

É ex-aluno do curso de cinema da UFF, tendo editado as revistas de cinema Contracampo e Cinética. Assíduo frequentador do Cine Arte UFF, escreve alguns textos de introdução à reflexão sobre alguns filmes de nossa programação por acreditar que a formação de plateia é das maiores missões que um cinema como esse pode cumprir.

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