TÁXI TEERÃ

Taxi

Desde 2010, após ter sido preso junto sua mulher, filha e vários amigos sob a acusação de fazer “propaganda subversiva anti-Governo”, Jafar Panahi está proibido por vinte anos de fazer filmes e de sair do Irã. No entanto, o que para outros cineastas poderia ter resultado numa verdadeira “sentença de morte artística”, no caso de Panahi se transformou no motor de uma reinvenção artística que já deu origem a três longas (Isso não é Um filme, de 2011 – cujo título deixa clara a sua inteligência ao burlar as regras impostas; Cortinas fechadas, de 2013; e esse Taxi Teerã). Nesses filmes, Panahi encontra nas atuais tecnologias baratas e simples de realizar imagens (celulares, câmeras caseiras ou de vigilância, etc) não apenas os instrumentos para continuar filmando sem chamar atenção para si, como verdadeiras e instigantes maneiras de questionar a si mesmo como realizador, mas também a plateia acerca do que realmente constitui um “filme”.

A carreira pregressa de Panahi já era uma de extremo sucesso, tendo recebido pelo seu primeiro longa (O balão branco, de 1995) a Câmara de Ouro do Festival de Cannes – principal prêmio para um cineasta estreante. Depois, na medida em que seus filmes cresceram em ambição e valor de produção, ele seguiu sendo enormemente reconhecido (O espelho venceu o Festival de Locarno em 1997; O círculo, o Festival de Veneza em 2000; Fora de jogo, o prêmio de Melhor Diretor em Berlim em 2006). Em comum, todos os seus filmes aliam um tom fortemente crítico das convenções sociais da vida no Irã, mas também uma maneira bastante frontal de filmar aspectos da realidade local pouco mostrados. É o caso, por exemplo, de seu filme Ouro carmim, de 2003 (citado rapidamente por um personagem em Taxi Teerã), que a partir de um ‘fait divers’ (um assalto a uma joalheria) penetra com seu protagonista no universo das classes mais altas iranianas, pouco visto nas telas.

Taxi Teerã combina várias dessas características com algo mais típico dessa sua produção mais recente, cujos dois filmes anteriores primavam pela simplicidade de forma associada a um complexo jogo de metalinguagem (desde a escolha quase imposta de assumir o papel de protagonista dos filmes “interpretando” a si mesmo até trabalhar com as limitações de uma realização sem maiores equipes técnicas e em espaços limitados – nos dois filmes anteriores, um apartamento e uma casa, respectivamente). Aqui, Panahi vai um passo além incorporando desde o primeiro até o último planos do filme as paisagens da cidade a partir de uma câmera no vidro de um carro. É como se as limitações antes claustrofóbicas agora descobrissem uma maneira de ir às ruas, algo tão típico do seu cinema anterior. Em cada conversa no táxi, os limites entre a encenação e a espontaneidade são testados, e as discussões continuam colocando na ordem do dia os temas da repressão, da criminalidade, da injustiça social.

No meio de tudo isso, uma sequência em especial é antológica: aquela na qual a sobrinha de Panahi, com a obrigação de realizar um filme para uma tarefa escolar, busca entender quais são os limites impostos a um cineasta que quer realizar um filme “exibível” segundo as regras do Estado iraniano. Nesse episódio, justamente no único momento em que Panahi “se ausenta” da filmagem, se dá a tentativa da sobrinha de “controlar a realidade” para que ela se adeque aos preceitos de um filme aceitável. No entanto, como não poderia deixar de ser, a realidade parece se rebelar ao que o Estado quer impor como aceitável, e o desfecho da cena é um resumo preciso do olhar de Panahi sobre as condições de fazer cinema no Irã hoje.

Eduardo Valente

É ex-aluno do curso de cinema da UFF, tendo editado as revistas de cinema Contracampo e Cinética. Assíduo frequentador do Cine Arte UFF, escreve a partir dessa semana alguns textos de introdução à reflexão sobre alguns filmes de nossa programação por acreditar que a formação de plateia é das maiores missões que um cinema como esse pode cumprir.

Skip to content