CAROL

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Todd Haynes surge em 1991 como um nome de cineasta a se notar, para a maioria das pessoas (e no Brasil não foi diferente), com um filme conscientemente “desagradável” chamado Veneno, seu primeiro longa. Era um dos pontos nevrálgicos de um movimento que se conheceria posteriormente como o “New Queer Cinema”, que se imiscuía na então borbulhante cena independente americana (e não é um acaso que o filme tenha sido descoberto – e premiado – em Sundance, que se tornaria a meca desse cinema) durante uma época dura marcada pela paranoia com a AIDS, tendo resultado em filmes que se recusavam a conformar-se – inclusive com a imagem mais “positiva” de afirmação da sexualidade não heteronormativa das gerações imediatamente anteriores. Afirmar-se passava, naquele momento, por elogiar o feio, o sujo, o “desagradável”, em suma.

Quase 25 anos depois, o espectador que se maravilhou com Veneno talvez não esperasse ver um filme do mesmo diretor sendo quase unanimemente reconhecido, inclusive por uma instituição tão “status quo” como a Academia, sendo um dos grandes favoritos ao Oscar desse ano. Porque a verdade é que se poderia acusar Carol de muita coisa, menos de ser desagradável: desde a combinação da elegância de Cate Blanchett com a doçura de Rooney Mara, passando pela beleza cintilante da fotografia de Ed Lachman e dos figurinos de Sandy Powell, tudo em Carol nos faz admirar uma obra de um cineasta em pleno domínio de seu ofício, inclusive no sentido mais clássico do termo, que se refere ao seu “storytelling” cativante. Carol é, sem nenhuma sombra de dúvida, bonito, límpido, agradável.

No entanto, nos subterrâneos dos dois filmes, seja sob a aspereza de um filme de estreia rascante, seja sob o brilho cristalino desse último, percebemos um cineasta que segue firme na sua busca por um tema, acima de todos: o do não conformismo, que impõe a afirmação de individualidades que, impossíveis de se adequarem ao que se espera delas ao seu redor, se recusam (não sem sofrimento) a simplesmente tornarem-se “iguais”. Nesse sentido, é quase perfeito que Carol estreie no Brasil na mesma semana em que o mundo perdeu David Bowie – artista cuja trajetória Haynes recriou, ainda que ficcional e não oficialmente, em Velvet Goldmine (1998). A história de Carol e Therese pode parecer, na superfície, não ter nada a ver com a de Bowie. Mas não custa lembrar que o cinema de Haynes nos afirma justamente o quanto a superfície não pode mais do que apenas começar a nos contar uma história sobre alguém. Ouvindo Bowie, vendo Haynes, somos forçados a mergulhar mais fundo no que nos une como humanos: o fato de que somos todos diferentes.

Eduardo Valente

É ex-aluno do curso de cinema da UFF, tendo editado as revistas de cinema Contracampo e Cinética. Assíduo frequentador do Cine Arte UFF, escreve alguns textos de introdução à reflexão sobre alguns filmes de nossa programação por acreditar que a formação de plateia é das maiores missões que um cinema como esse pode cumprir.

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