CHATÔ – O REI DO BRASIL

Chatoh

Quando se anunciou que, finalmente, Chatô – O Rei do Brasil chegaria aos cinemas em 2015, exatamente vinte anos depois do começo desta que é uma das mais famosas (e infames) sagas de realização de um filme na história do cinema, não foram poucos os que duvidaram que fosse verdade. Mas a maior surpresa estava por vir: não apenas o filme terminou sendo lançado como, de maneira geral, sua recepção crítica foi quase que unanimemente favorável. Dessa maneira, o círculo da história do filme parecia se fechar com uma virada de roteiro que poucos previram: não apenas o filme conseguiu ser concluído, como além de tudo ele não seria tão somente mais um elefante branco, velho, datado e sem forma. Seria possível que Guilherme Fontes, o artista (já que o administrador e produtor certamente fracassou em todas as suas potenciais tentativas), sairia redimido ao final?

A resposta para essa pergunta, assim como tudo que envolve o filme, curiosamente se assemelha muito com a história do seu personagem principal: não é nada simples, quase impossível de resumir e de se chegar a uma conclusão unívoca e direta. De fato, é isso que o filme afirma o tempo todo na sua construção bastante operística e nada realista: a vida de um personagem como Assis Chateaubriand não se presta a uma biografia nos moldes tradicionais (e, por que não dizer, caretas), e só pode ser narrada usando pitadas daquilo tudo que ele sempre soube usar a seu favor – sensacionalismo, paródia, exageros, manipulação. Chatô não segue uma linha reta ao se aproximar desse personagem porque parece não acreditar que isso seja possível, que dirá adequado. A narração dessa história efetivamente “fabulosa”, da Paraíba à Inglaterra, do serviço de copeiro ao magnata das comunicações, pede um grau de suspensão da realidade ao qual o filme presta todo respeito.

Nessa construção, Guilherme Fontes se utiliza de várias referências, do Cidadão Kane de Welles ao All That Jazz de Bob Fosse, passando por muito Fellini e, claro, um pouco mesmo do Coppola dos estúdios Zoetrope (esse um personagem essencial dessa outra saga, a de realização do filme). Mas por mais que dialogue com muito do que se produziu no cinema mundial, é com o Brasil que o filme quer falar o tempo inteiro. E aí é impossível não deixar de notar a ironia inata ao galã de telenovelas globais pintando um retrato ácido do império espetacular da mídia no Brasil, e sua relação direta com o poder político. É mais um dos paradoxos de um filme que, talvez, não pudesse ter sido feito por outra pessoa, de outra maneira. Se Chatô, o homem, representa para o seu realizador uma oportunidade de falar muito mais do Brasil; Chatô, o filme e sua produção, pode servir também de metáfora para falar do cinema brasileiro, de sua história truncada ou de suas ambições não realizadas (ou apenas tardiamente realizadas). Assis Chateaubriand, nos diz o filme, é um fenômeno totalmente brasileiro: genial e cafajeste em igual medida e, frequentemente, ao mesmo tempo. Talvez, portanto, Chatô – O Rei do Brasil seja um filme absolutamente verdadeiro a seu personagem.

Eduardo Valente

É ex-aluno do curso de cinema da UFF, tendo editado as revistas de cinema Contracampo e Cinética. Assíduo frequentador do Cine Arte UFF, escreve alguns textos de introdução à reflexão sobre alguns filmes de nossa programação por acreditar que a formação de plateia é das maiores missões que um cinema como esse pode cumprir.

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